Votos anulados e eleição mantida

CARLOS AYRES BRITTO

carlos ayres brito

 

Ninguém vai ocupar o lugar do candidato cassado no segundo turno sem ter sido destinatário da maioria dos votos válidos no primeiro
O TRIBUNAL Superior Eleitoral confirmou, nos dois últimos julgamentos de governador estadual, a tese que adotou nos processos dos ex-governadores Flamarion Portela (RR) e Mão Santa (PI).

Tese que se traduz no seguinte: anulados os votos do candidato que, no segundo turno, obteve o primeiro lugar para a chefia do Poder Executivo, nem por isso é de se concluir pela automática nulidade da eleição como um todo. É como dizer: nem sempre se varre do mapa jurídico o pleito por inteiro se os votos do primeiro colocado no segundo turno vêm a ser anulados por motivo de ofensa à ordem jurídica.

Daqui se deduz que eleição popular é uma coisa e, outra, votação de cada candidato. Dando-se que o desfazimento judicial de uma determinada votação não implica, fatalmente, o desfazimento de toda a eleição. Vai-se um anel e os dedos podem ficar.

É que a anulação dos votos de quem foi judicialmente afastado do páreo não deve contaminar, em princípio, a computação dos votos de quem os obteve sem mácula jurídica. É a consagração da máxima universal do "utile per inutile non vitiatur", a significar, no caso, que a parte sadia da disputa eleitoral fica a salvo de contágio pela porção doente.

Pois bem, para afastar essa contaminação da parte sadia do pleito, a fórmula jurídica é a do aproveitamento democrático do rescaldo da eleição. Aproveitamento do que sobrou como válido. Noutros termos, com o banimento do primeiro colocado no segundo turno, retorna-se ao quadro eleitoral de colocações do primeiro turno para ver se, nele, o candidato remanescente do segundo turno recebeu mais da metade dos votos válidos. Caso haja recebido, será proclamado eleito.

Ora, esse retorno à situação do primeiro turno, para ungir o candidato ali majoritariamente sufragado, não deixa de ser uma solução democrática. Uma solução democrática em menor extensão, é verdade, mas conciliada com o princípio igualmente constitucional da legitimidade ética.

E, se digo "em menor extensão", é porque, agora, o que se tem é um conceito restrito de votos válidos; quero dizer: nessa viagem de volta para o primeiro turno, deixam de ser computados como válidos os votos anulados no segundo turno. Por isso que se cuida de votos remanescentemente válidos, pois o certo é que a Constituição manda excluir da categoria dos votos válidos aqueles "em branco e os nulos" (parte final do parágrafo 2º do artigo 77, combinado com o artigo 2º, cabeça, da lei nº 9.504/97).

É de se perguntar: e se tal candidato remanescente do segundo turno deixou de obter mais da metade dos votos apurados no primeiro turno? Bem, se o caso for esse, aí, sim, é de se instaurar uma nova disputa eleitoral.

Ninguém vai ocupar o lugar do candidato cassado no segundo turno sem ter sido destinatário da maioria dos votos válidos no primeiro turno. O contrário importaria a contrafação democrática de proclamar eleito quem foi rejeitado pelas urnas em duas sucessivas oportunidades: no primeiro e no segundo turno.

De se ver, portanto, que os dois turnos de votação não se apartam de todo. Isso pela decisiva razão de que o próprio segundo turno não é uma eleição estalando de nova. É apenas o momento posterior de um pleito que se mantém sem inovações quanto ao universo dos eleitores, o registro das candidaturas e os nomes dos dois candidatos mais bem postados no primeiro turno. Primeiro turno, vimos, sempre disponível para operar como solução final da frustração do segundo. Coisas do Direito.

Enfim, o que se tem na jurisprudência do TSE é a preservação da convivência possível entre o princípio da majoritariedade democrática e o da legitimidade ética. Fórmula jurídica particularmente estimulante para quem, classificado em segundo lugar na eleição, tem a possibilidade de ascender ao primeiro sem a via-crúcis de uma nova competição eleitoral. De um penoso começar tudo de novo.

Já do ângulo de quem foi judicialmente cassado, é fórmula que o penaliza por modo exemplar. Inicialmente, pelo seu rebaixamento de primeiro lugar para o rés do chão. Para o nada jurídico. Depois, pelo desdouro de ver o seu principal opositor (justamente ele) a lhe tomar o posto de primeiro colocado na eleição. Modelo melhor é matéria que fica no aguardo do Poder Legislativo Federal.

Uma resposta para “Votos anulados e eleição mantida

  1. Da ilegitimidade do TSE ou outros Tribunais em reconhecer Nulidade do Voto ou declarar Anulação.

    “ Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

    I – a soberania;

    Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

    Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

    Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

    III – autodeterminação dos povos;

    Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:”

    Acima, trouxe-se à baila alguns artigos esculpidos no bojo da pedra fundamental do ordenamento jurídico que versam, direta e indiretamente, sobre o direito ao voto.
    Pelo art. 1.º a República Federativa do Brasil é constituída por estado Democrático de direito. Onde:

    de.mo.cra.ci.a
    sf (gr demokratía) 1 Governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo; democratismo. 2 A influência do povo no governo de um Estado. 3 A política ou a doutrina democrática. 4 O povo, as classes populares.

    Por tal deflui-se que todo o poder (democrático) emana do povo. É este que dar legitimidade de ação e existência de todo e qualquer poder estatal. Sobre poder estatal temos o Art. 2.º que declara os três poderes existentes cuja legitimidade é existente apenas quando os mesmos permanecem harmônicos entre si tanto que o parágrafo único do art. 1.º afirma que todo poder emana do povo e este poder é exercido por este diretamente ou por representantes eleitos (pelo povo). Aliado ao inc. I, tal art. Defende a soberania.
    A república, conforme percebe-se no art. 4.º, rege-se nas relações internacionais, entre outros, pelo reconhecimento e defesa da autodeterminação dos povos. Autodeterminação esta que garante que o povo declara aquilo que quer para si e como o quer para si. Sendo esta defesa em plano internacional, não o menos poderá ser no plano interno.

    Do desdobramento do art. 1.º em sua íntegra com o respingo do art. 4.º, inc. III, compreende-se a razão de existência do art. 14 que diz como se dá a aludida soberania popular, pelo exercício do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, onde:

    su.frá.gio
    sm (lat sufragiu) 1 Voto ou declaração de opinião, especialmente quando se faz por escrito, numa eleição ou decisão a ser tomada por maioria de votos. 2 Voto emitido para a eleição de um candidato. 3 Adesão, aprovação. 4 Obra pia, preces ou súplicas a Deus pelas almas dos mortos. S. direto, Dir: voto dado diretamente pelo povo ao candidato. S. dos santos: orações que estes dirigem a Deus em favor dos que lhes imploram auxílio ou proteção. S. indireto, Dir: sufrágio dado ao candidato por um corpo legislativo ou grupo de cidadãos eleitos, diretamente, para esse fim. S. restrito, Dir: direito de votar concedido aos analfabetos, sob determinadas condições. Sufrágios da igreja: orações que esta dirige a Deus em favor dos fiéis, especialmente os defuntos. S. universal: direito de voto a todos os cidadãos de maior idade e não incapazes por lei.

    Frisou-se que tal sufrágio e voto direito possuem constitucionalmente valor igual para todos… qualquer materialização de exercício de poder que venha a vulnerar tal valor de igualdade de voto fere de morte as letras constitucionais.

    Ultrapassadas as primeiras linhas de suporte constitucional, traz à tona a realidade que o Direito é uma ciência e, como ciência, exige certo preciosismo, rigor de domínio terminológico… nenhum termo de retumbante peso jurídico, independentemente de quem com o mesmo opera, está dissociado de tal preciosismo, sob pena de gerar algo que o Direito visa justamente, com todo o ordenamento e construção teórica, debelar… a insegurança jurídica.

    Assim, nesta esteira, o sufrágio, no momento do voto pelo cidadão, diretamente, nas urnas, permite-lhe o seguinte: a) Votar num candidato; b) votar numa legenda; c) votar em branco; d) votar nulo. Estas são as opções àquele que exerce o voto secreto e direto. Estas são opções dentro das regras máximas de exercício de nossa democracia. Estas são as regras que consolidam a soberania e autodeterminação de nosso povo. Qualquer tentativa de desvirtuar tais regras ou opções, lesa de morte a democracia e o poder original que emana do povo.

    Ora, como dito, o Direito, enquanto ciência, pugna pelo rigorismo terminológico. Neste diapasão, aquele que vota diretamente tem, entre outras opções, a opção de votar NULO. Em direito, dentro do preciosismo terminológico, aquilo que é NULO difere retumbantemente daquilo que é ANULÁVEL. Difere tanto em terminologia quanto nos efeitos.
    Em Direito, o NULO nenhum efeito pode gerar. O NULO, pelo juiz, não é propriamente declarado, e sim reconhecido. O ato NULO desde de sua concepção nenhum efeito pode validamente gerar e tudo aquilo que se constrói de um ato NULO vulnerado está de tal forma que nada e nem ninguém tem o condão legítimo de convalidar… é o tido efeito ex tunc.

    Em Direito, difere do NULO o ato que é tido por anulável e que venha a ser Anulado. Difere porque aquilo que é anulável pode ser convalidado pelo decurso do tempo bem como seus efeitos. Difere porque a declaração de anulação de um ato passa a produzir efeito só a partir daquilo ponto, logo todos os efeitos e construções decorrentes do ato posteriormente anulado são válidos até o momento da decisão do juiz, não podendo tal decisão retroagir para vulnerar o próprio nascedouro do ato, sob pena de gerar insegurança jurídica… é o tido efeito ex nunc.

    Uma vez lembrada tal diferença, cabe aplicar a mesma ao voto… a opção daquele que vota, entre outras, é de ter o voto NULO e não de votar de forma ao mesmo tempo anulável. A razão de ser de tal é pura e simples, a própria segurança de toda uma república democrática se iniciar naquele momento do ato do voto… aquele que vota diz, por seu voto, se algum efeito pro futuro quer vir a ter ou sofrer… e o faz de forma soberana, sabendo que não tem como alguém vir a desfazer seu ato, validando o voto que fez NULO e produzindo efeito diversos do que pretendia.

    Ora, o TSE, como qualquer outro órgão judicial, possui, como dito, legitimidade de existência apenas em virtude do povo, o TSE, nesta linha, é uma criatura enquanto que o povo é o seu criador. Foge completamente da lógica qualquer entendimento que venha a tentar legitimar que a criatura tenha o direito de se voltar contra o criador, logo, no exercício de seu mister, TSE não pode reconhecer que um voto dado por uma pessoa é NULO, sob pena de ferir a autodeterminação do povo e nem mesmo pode declarar que o voto foi anulado, sob pena de se voltar a criatura contra o criador.

    E mesmo que por alguma engenhosidade pudesse o TSE fazer tal reconhecimento ou declaração, ainda assim feriria tal decisão colegiada ao princípio que diz que o voto possui valor igual para todos, onde cerca de 07 ministros, em seus votos, possuiriam mais peso que todos aqueles que exerceram sua autodeterminação.

    Pretender reconhecer NULIDADE de um voto dado em pleito válido, é gerar, além da hedionda situação acima citada, extrema, colossal, insegurança jurídica, afinal, se um candidato eleito perde seu mandato porque os votos tidos foram reconhecidos como NULOS, significa dizer que todos os atos praticados por o então candidato eleito estão eivado de nulidade também e, como nulidade, não podem por ninguém, absolutamente ninguém, ser convalidados, logo decretos, contratos, pagamentos, tudo, absolutamente tudo deve ser desfeito… pandemônio!

    Na outra esfera, tentar entender que o voto foi apenas declarado anulado, com o intuito de não gerar insegurança jurídica, é artimanha descabida, afinal, se assim o for, todos os votos foram válidos, logo desde o nascedouro e permaneceram válidos até a declaração judicial… se assim o for, o candidato que teve seus votos anulados, concorreu no certame de forma válida, logo qualquer ousadia de aproveitamento de rescaldo perde suporte lógico, pois não houve tal rescaldo em virtude do até então válidos votos. Ora, rescaldo existira apenas em caso de votos tidos por nulos e não anulados.

    Assim, como dito antes, não pode o TSE reconhecer nulidade de Voto! O máximo que poderia fazer é declarar a anulação do pleito para convocar novas eleições, pois assim, o povo teria a chance de uma nova vez exercer sua soberana autodeterminação! Reconhecer a nulidade, além de gerar insegurança jurídica, demonstrar um completo dissenso, afinal um poder que possui legitimidade de existência no povo, sentencia a posteriori que um ato de soberania popular de escolha de um candidato através de um voto, desfazendo aquilo que o povo quis para si! Ainda, qualquer entendimento diverso, além de lesar a democracia, lesa o equilíbrio dos poderes, pois passa o judiciário a ter poder de “escolha” dos membros do executivo e legislativo e fere a representatividade dos legítimos representantes do povo (poder legislativo) de conduzir o procedimento tido por impeachement.

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